Historicidade do Rito Adonhiramita – 3

 

A MIGRAÇÃO PARA PORTUGAL

O Rito Adonhiramita continuou sendo praticado em Portugal nas últimas décadas do Século XVIII. A religiosidade não incomodava os portugueses, e como era conservador, não oferecia perigo direto à Coroa Portuguesa.

Havia ainda o movimento para fundação do Grande Oriente Lusitano, que contou com a participação ativa de um maçom brasileiro que foi o primeiro tradutor da Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita para o português, Hipólito José da Costa. É possível inclusive que tenha sido ele um dos responsáveis pela migração do Rito para as terras de Portugal.

Alguns pesquisadores afirmam que Hipólito da Costa foi Iniciado na Filadélfia, nos EUA, e apesar de não haver registros da prática do Rito Adonhiramita em solo norte-americano, a Compilação Preciosa foi impressa na Filadélfia, e talvez ele tenha tido acesso à obra.

Mas a perseguição religiosa à Maçonaria como um todo alcançou Portugal, e assim houve um processo de migração de maçons portugueses para as suas colônias, incluindo o Brasil, processo que foi encerrado com a transferência da Corte Portuguesa para as terras brasileiras.

Supõe-se que em virtude disso tenha surgido em Portugal a prática de utilizar Nomes Históricos como preservação da identidade dos maçons, já que não há evidências desse uso na França.

Em vista disso, é razoável supor que a partir de 1802 o Rito Adonhiramita tenha passado a ser praticado com exclusividade no Brasil, permanecendo assim até 2010.

A CHEGADA AO BRASIL

Tudo leva a crer que o Rito Adonhiramita chegou ao Brasil nas últimas décadas do século XVIII, mas não há comprovação material disso.

Autores maçônicos dos séculos XIX e XX apontavam a fundação da Loja Reunião no Rio de Janeiro em 1801 como data formal, mas atualmente essas afirmações vêm sendo contestadas pela mesma razão, a ausência de documentos comprobatórios.

Embora inserida no mesmo rol de possibilidades, parece haver consenso entre os autores maçônicos de que a Loja Commércio e Artes, fundada no Rio de Janeiro em 1815, trabalhava no Rito Adonhiramita. Mas formal e documentalmente temos o registro da prática do Rito Adonhiramita em solo brasileiro mesmo antes de nos tornarmos uma nação independente.

A primeira tradução para o português da Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita, pelo menos documentada, foi feita por Hipólito José da Costa, o maçom brasileiro mais célebre na Europa no final do século XVIII e início do XIX.

Existe uma cópia desta tradução no acervo do museu da Grande Loja Unida da Inglaterra.

Esses rituais tinham bem definidos os treze Graus, e o décimo terceiro Grau, Cavaleiro Noaquita, estava classificado como “nono Grau” do segundo volume.

O exemplar catalogado na Inglaterra pertencia ao Grande Oriente da Bahia, que foi a primeira tentativa de fundação de uma Potência maçônica no Brasil, e tem datação estimada entre 1813 e 1815. É prova documental de que o Rito Adonhiramita era praticado em solo brasileiro mesmo antes de nos tornarmos uma nação independente, e bem antes da fundação do Grande Oriente do Brasil.

É bem provável que os primeiros rituais utilizados pelo Grande Oriente Brasílico tenham sido adaptados ou baseados na tradução de Hipólito da Costa. O ritual da Loja Commércio e Artes da Idade do Ouro de 1836, publicado logo após o reerguimento do Grande Oriente do Brasil, é uma adaptação da tradução de Hipólito da Costa, conforme mencionado na capa da edição.

A escassez de documentos sobre o Rito Adonhiramita no final século XVIII e início do Século XIX tem duas razões:

  1. A erradicação do Rito na Europa, gerando desinteresse nos autores e pesquisadores.
  2. A promulgação do Decreto de D. João VI de 30 de março de 1818, logo após a eclosão da Revolução Pernambucana, proibindo a prática da Maçonaria.

Tudo o que temos desses períodos são citações de autores maçônicos em suas obras, o que atualmente vem sendo objeto de contestação pela ausência de provas documentais.

De concreto o que temos são as edições de rituais e atas do Grande Oriente do Brasil. Mas há também publicações leigas, publicadas pelas correntes antimaçônicas, que comprovam a prática do Rito Adonhiramita no Brasil no início do século XIX.

Em 1809 foi publicada uma exposure pela Igreja, intitulada “O Pedreiros Livres, Os Iluminados, Os Tenebrosos, O Jacobinismo”.

Da leitura desta obra fica claro que seu autor de alguma forma teve acesso aos rituais maçônicos praticados no Brasil nesse período, e esse Rito era o Adonhiramita. Há menção nessa obra a Adonhiram como arquiteto do Templo de Jerusalém.

Esta é mais uma prova documental de que o Rito Adonhiramita era praticado no Brasil em período anterior ao da fundação do Grande Oriente da Bahia em 1813, da Loja Commércio e Artes em 1815, e do Grande Oriente Brasílico em 1822.

A FUNDAÇÃO DO GRANDE ORIENTE BRASÍLICO

Há uma discussão muito saudável no meu entendimento sobre qual foi o Rito primaz do Grande Oriente do Brasil, e a dúvida repousa entre o Rito Adonhiramita e o Moderno, ambos de origem francesa.

Como somos humanos, e estamos sujeitos a paixões, as análises sobre esta matéria são sempre parciais e por vezes apaixonadas demais. Não deve ser assim, estamos analisando a história dos primórdios da Maçonaria no Brasil, não há um troféu em disputa. Nesse sentido, antes de analisar as evidências apresentadas pelos defensores do Rito Adonhiramita, farei algumas considerações que julgo relevantes para a análise.

A primeira delas é que Grande Oriente Brasílico foi fundado pelo fracionamento da Commércio e Artes da Idade do Ouro em outras duas, União e Tranquilidade e Esperança de Nictheroy. Este é o padrão estabelecido pela Grande Loja Unida da Inglaterra para a fundação de Potências Simbólicas, serem formadas por no mínimo três Lojas regulares.

A Loja Commércio e Artes praticava o Rito Adonhiramita, e se abriu a Loja para se dividir em outras duas certamente o fez sob a égide do Rito Adonhiramita.

A segunda é que além da prática do Rito Adonhiramita e do Rito Moderno serem muito parecidas na época, escolher um Rito não era o mais importante na ocasião. As Lojas desse período eram células políticas, abrigavam políticos, pensadores, intelectuais, todos com o propósito de defender suas ideias num ambiente onde tivessem plena liberdade de fazê-lo.

Portanto, antes de escolher um Rito, havia dois objetivos a serem atingidos pelos maçons brasileiros da época:

  1. A fundação de uma Potência Maçônica regular brasileira.
  2. Promover a independência do Brasil.

Tanto isso é verdade, que a escolha oficial de um Rito só ocorreu formalmente na décima sessão do Grande Oriente Brasílico, conforme ata de 5 de agosto de 1822, e o Rito escolhido foi o Rito Moderno.

A corrente que defende o Rito Adonhiramita como o primeiro a ser praticado pelo Grande Oriente Brasílico apresenta os seguintes argumentos:

  1. O uso de Nomes Históricos pelos maçons.
  2. O calendário utilizado na datação das atas.
  3. O ritual utilizado pelas Lojas Fundadoras.

Vou abordá-los resumidamente.

O uso de Nomes Históricos atualmente é uma exclusividade do Rito Adonhiramita. Nas primeiras atas do Grande Oriente Brasílico os

maçons eram identificados por Nomes Históricos, na ocasião tratados como “Nomes Heroicos”.

Se considerarmos que a Loja Commércio e Artes da Idade do Ouro praticava o Rito Adonhiramita isso não será surpresa, todos os maçons, agora separados em três Oficinas diferentes, eram membros dela, e tinham seus Nomes Históricos.

Ocorre que após sua fundação e organização, o Grande Oriente Brasílico resolveu adotar o “Rito dos Sete Graus”, que é o Rito Moderno, assim sendo, este argumento não é cabal, pois existem evidências do uso de Nomes Históricos em Lojas praticantes do Rito Moderno até o fim do século XIX.

As primeiras atas do Grande Oriente Brasílico não foram datadas em conformidade com o Calendário Maçônico instituído por James Anderson, que iniciava a contagem dos anos a partir do dia 1° de março, nos mesmos moldes do calendário romano estabelecido por Numa Pompílio. Curiosamente os autores maçônicos brasileiros o chamam de “calendário equinocial usado na época”, mas na verdade este é o Calendário Adonhiramita, e sim, é equinocial.

Segundo pesquisadores, foi usado por algum tempo no Grande Oriente da França, caindo em desuso após pouco tempo, mas foi mantido pelo Rito Adonhiramita.

Foi inspirado no calendário religioso hebraico. É lunissolar, e composto de doze meses, que por sua vez são formados por quatro ciclos completos da lua, uma vez que os hebreus eram pastores nômades, e a gestação de suas cabras e ovelhas, contadas pelas fases da lua, era mais importante do que o cultivo de vegetais.

O Calendário Adonhiramita mantém a nomenclatura dos meses hebraicos, mas não acrescenta o décimo terceiro mês nos anos bissextos. Inicia a contagem dos anos a partir do dia 21 de março, que marca o equinócio da primavera no hemisfério Norte, prática presente nas escolas iniciáticas da antiguidade. Todos os meses do calendário hebraico possuem conotação filosófica relacionada à sua cultura.

Curiosamente, o recesso maçônico no Grande Oriente do Brasil ocorre entre os dias 21 de dezembro e 20 de janeiro do ano seguinte, o que corresponde exatamente ao mês de Tebet, que segundo a tradição hebraica corresponde ao tempo que a arca de Noé levou para aportar em terra firme após o término do dilúvio bíb

Foi o desconhecimento do uso desse calendário que ocasionou o equívoco de situar o dia 20 de agosto como o Dia do Maçom no Brasil, associando-o ao discurso de Gonçalves Ledo, que supostamente teria ocorrido nessa data, quando na verdade aconteceu no dia 9 de setembro, dois dias após D. Pedro I ter proclamado a independência às margens do Ipiranga.

Assim resta uma dúvida, se o Grande Oriente Brasílico praticava o Rito Moderno, por que razão permaneceu utilizando o Calendário Adonhiramita, que é de manuseio tão difícil?

Em 2012, quando o Grande Oriente do Brasil comemorava 190 anos de fundação, foi publicado um ritual denominado “Ritual de 1822 das Lojas Fundadoras”, que era uma reedição do ritual utilizado na época pelas três Lojas primazes, e dedicado ao Grau de Aprendiz Maçom:

  • Respeitável Loja de São João Commércio e Artes na Idade do Ouro, N°001.
  • Respeitável Loja de São João União e Tranquilidade, N°002.
  • Respeitável Loja de São João Esperança de Nichteroy, N°003.

Foi elaborado a partir de manuscritos pertencentes a D. Pedro I encontrados no acervo da residência imperial em Petrópolis, RJ.

O texto apresenta muita semelhança com a Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita e também com o Regulador do Maçom de 1801. Da mesma forma, existem semelhanças entre a prática dos Ritos Adonhiramita e Moderno, como a Bat‡ do Gr‡, por exemplo. Mas na Compilação Preciosa, que na época regulava a prática Adonhiramita, há uma pergunta a mais no processo de abertura da Loja em relação ao Regulador do Maçom, “Para que nos juntamos?”

Talvez essa possa ser considerada como uma evidência mais concreta.

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Sergio Emilião


Sergio Antônio Machado Emilião

Mestre Instalado
Grau 33 pelo SCAB
membro da ARLS Scripta et Veritas, 1.641, Grande Benfeitora da Ordem, GOB-RJ – Rito Adonhiramita
Secretário Adjunto de Ritualística para o Rito Adonhiramita no GOB-RJ
Provedor de Ritualística do SCAB


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