Historicidade do Rito Adonhiramita – 2

Esta é uma questão de estar longe de ser pacificada, e existem correntes que defendem cada uma dessas hipóteses. No meu entendimento, não é essa a questão principal. A obra é uma compilação, ou seja, uma reunião de textos pré-existentes, e nesse sentido a autoria poderia ser inclusive de diversos autores diferentes. Creio que o mais adequado para solucionar a questão seja investigar por que razão Ragon citou Tschoudy, cujo nome não é mencionado na Compilação Preciosa.

Segundo Pike, Ragon confundiu a Compilação Preciosa com a obra “Estrela Flamejante”, de autoria inequívoca de Tschoudy. Ragon era polêmico, mas não burro. Não seria tão incapaz a ponto de confundir as duas obras. Talvez o caminho seja investigar esses dois personagens.

O Barão de Tschoudy

Existe literatura razoável sobre Louis Theodore Henry, o Barão de Tschoudy, incluindo seu retrato. Nasceu em 21 de agosto de 1727, em Metz, na França, e faleceu em 28 de maio de 1769, aos 42 anos, em Paris. Usava o pseudônimo, ou talvez Nome Histórico, de “Cavaleiro de Lussy”. Seus pais eram Claude Henry Tschoudy, e Louise Roaut de Assy. Foi advogado, militar na Suíça, e conselheiro do parlamento de Metz. Foi Iniciado em Nápoles, na Itália, em 1751, onde foi preso por publicar panfletos criticando a perseguição da igreja aos maçons, tendo dali fugido e se exilado na Holanda. Foi Venerável Mestre de uma Loja em Haia, e Grão-Mestre das Lojas das Sete Províncias, na Holanda. Residiu também na Rússia, onde em 1755 presidiu uma Loja em São Petersburgo, e foi conselheiro da imperatriz Elizabeth da Rússia. Retornando à França em 1762, filiou-se ao Conselho dos Cavaleiros do Oriente, quando produziu os rituais do Soberano Conselho de Príncipes Maçons Rosacruzes. Dentre suas ideias, defendia que a Maçonaria tinha origem no antigo Egito. Entre 1762 e 1765, juntamente com Jean Baptiste Pirlet, reescreveu todos os rituais do Conselho dos Cavaleiros do Oriente, incluindo nos rituais a Estrela Flamejante. Em 1766 publicou a obra L’Etoile Flamboyant, e também um sistema completo de Graus Maçônicos Alquímicos, que foram absorvidos pelos Altos Graus do Rito de Memphis-Mizraim. É atribuída a ele também a autoria do ritual de Cavaleiro Escocês de Santo André, inserido como Grau 29 do REAA, e posteriormente incorporado à hierarquia de Graus Adonhiramitas, em 1973. Segundo pesquisadores, era contrário à publicação de seus rituais, o que justifica para seus defensores, a edição da Compilação Preciosa somente após sua morte. Não há dúvida de que realmente existiu, de que era escritor, ritualista, e de que possuía uma erudição notável para sua época.

Guillemain de Saint-Victor

Diferentemente de Tschoudy, pouco ou nada sabemos sobre Louis Guillemain de Saint-Victor, o “Cavaleiro de Todas as Ordens”, como ele se identifica na Compilação Preciosa. Alguns pesquisadores apontam seu nascimento por volta de 1735 em Paris, na França. Sua morte e local de ocorrência são ignorados. Tudo que temos sobre esse enigmático personagem são referências em bibliotecas da França e Inglaterra, referindo-se às duas obras por ele assinadas, a Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita, incluindo os rituais de Adoção, e a Origem da Maçonaria Adonhiramita. Aliás, afirma-se que foi alvo de processo por plágio, da parte do Conde Saint-Gelaire, em relação à publicação do ritual da Ordem dos Cavaleiros Prussianos, constante do Ritual de Clermont, e também dos rituais de Adoção, ou Lojas Femininas. Localizar esses autos seria fantástico. Não há registro ou referências à sua Iniciação, das Lojas das quais foi membro, nem de qualquer outra atividade maçônica, o que é no mínimo curioso para alguém que formalizou um Rito. Essas circunstâncias, associadas a diferenças de estilo existentes entre as redações dos catecismos, notas de rodapé, e mesmo da obra posterior, a Origem da Maçonaria Adonhiramita, levaram alguns pesquisadores a aventar a hipótese de Saint-Victor tratar-se de um pseudônimo, ou de um personagem criado simplesmente para assinar as obras do Rito. Pessoalmente, sou partidário dessas hipóteses. Nesse raciocínio, o ano de 1735 faria referência ao nascimento do Rito, e não ao de um bebê. Faz algum sentido, se considerarmos que foi provavelmente nessa época, logo após a adoção da versão definitiva da Lenda do Terceiro Grau, que se instaurou o debate entre Adonhiram e Hiram Abif na Maçonaria como arquiteto do Templo de Jerusalém. De toda sorte, mesmo que se trate de um personagem real, penso que nem ele, nem Tschoudy, foram os criadores do Rito Adonhiramita, mas sim seus reformadores.

A Influência da Grande Loja dos Modernos

O Rito Adonhiramita foi formalizado na França, mas apesar disso, e assim como o Rito Moderno, seguia a postura da Grande Loja de Londres e Westminster, chamada de Loja dos Modernos. Isso afetou tanto os rituais quanto a ritualística desses dois Ritos, e apesar de haver inúmeras associações e explicações místicas e esotéricas para certas escolhas dos ritualistas, algumas das características do Rito Adonhiramita têm origem na Grande Loja dos Modernos. São elas: 1. O rompimento da Marcha com o pé direito. 2. A P. de Pass. no Gr. de Apr. 3. A circulação destrógira em Loja. 4. A posição das duas CCol. 5. A prática dos Apr. mais novos sentarem-se próximos à balaustrada. 6. A adoção da cor azul. 7. A realização de uma cerimônia específica para a posse do Ven. Mestr. 8. A inserção de um quarto Grau na Compilação Preciosa baseada no Sagrado Arco Real.

A Erradicação da França

Formalizado em 1781, em menos de uma década, logo após a Revolução Francesa de 1789, o Rito Adonhiramita foi erradicado da França. Dentre as possíveis razões para seu declínio no território francês temos: 1. A ascensão da classe média e seu aporte nas Lojas. As Lojas Adonhiramitas eram formadas por nobres e militares. 2. O sentimento de repulsa contra a aristocracia e nobreza. As Lojas Adonhiramitas eram conservadoras. 3. O conceito de estado laico, apartado da religião. O Rito Adonhiramita era religioso. 4. A disseminação dos ideais iluministas, racionalistas e revolucionários. O Rito Adonhiramita era conservador. 5. A criação de uma identidade para o Grande Oriente da França. O Rito Adonhiramita destoava por adotar Adonhiram como arquiteto do Templo e manter treze Graus na sua hierarquia.

Não houve uma perseguição formal ou proibição da prática do Rito Adonhiramita na França, mas certamente houve um esvaziamento das Lojas, que migraram para outros Ritos, ou simplesmente abateram CCol. Alguns pesquisadores afirmam que as tropas de Napoleão inicialmente praticavam o Rito Adonhiramita, e isso teria também gerado alguma rejeição.

Conclusão

A complexidade e as controvérsias em torno da história do Rito Adonhiramita mostram a riqueza e a profundidade do seu legado. É essencial uma análise criteriosa e documental para elucidar os muitos pontos de discussão, valorizando as contribuições de todos os envolvidos e compreendendo as transformações e influências que moldaram o rito ao longo dos séculos.

Nessa obra Saint-Victor associou a origem do Rito Adonhiramita ao antigo Egito, referindo-se ainda aos sacerdotes egípcios, aos druidas, aos magos persas, aos celtas, e à mitologia grega, comentando inclusive sobre as influências que a religião egípcia exerceu sobre o cristianismo. Em vista disso, parece que a tese de Argollo sobre a inspiração no Ritual Primitivo do Egito, da Catedral de Colônia, não é tão desprezível quanto parece de início. Da mesma forma, fortalece a hipótese de participação de Tschoudy na reforma dos rituais Adonhiramitas, uma vez que essa também era sua opinião. Mas o

continua.


Sergio Emilião


Sergio Antônio Machado Emilião

Mestre Instalado
Grau 33 pelo SCAB
membro da ARLS Scripta et Veritas, 1.641, Grande Benfeitora da Ordem, GOB-RJ – Rito Adonhiramita
Secretário Adjunto de Ritualística para o Rito Adonhiramita no GOB-RJ
Provedor de Ritualística do SCAB


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