Historicidade do Rito Adonhiramita – 1

Índice da Parte 1: Introdução e Contexto Histórico

1. Introdução

  • Apresentação do Rito Adonhiramita
  • Importância histórica no contexto da Maçonaria Regular no Brasil

2. Origem e Primeiras Traduções

  • Origem francesa do rito
  • Primeira tradução em português por Hipólito José da Costa

3. Características e Contexto

  • Características místicas e religiosas do rito
  • Contexto de formalização e erradicação na Europa
  • Exclusividade da prática no Brasil até 2010

4. Análise Documental

  • Principais documentos históricos relacionados ao rito
  • Metodologia de análise das fontes históricas disponíveis
  • Especulações e entendimentos pessoais do autor

5. Datação do Rito

  • Dificuldade em precisar a data de início da prática do rito
  • Referências literárias e ausência de comprovação documental
  • Associação do rito à Alemanha por Oscar Argollo

6. Rituais Primitivos

  • Discussão sobre o “Rito Primitivo do Egito”
  • Possível utilização pelos construtores da Catedral de Colônia


O Rito Adonhiramita está intimamente ligado com a instituição da chamada Maçonaria Regular no Brasil. Juntamente com o Rito Moderno reclama para si a condição de Rito primaz do Grande Oriente Brasílico, atual Grande Oriente do Brasil.De origem francesa, teve sua primeira versão em português documentada traduzida pelo maçom brasileiro mais proeminente na Europa do início do século XIX, Hipólito José da Costa.É conhecido atualmente pelas suas características místicas e religiosas, e carece de fontes sobre sua origem e prática original. Foi formalizado na França, no século XVIII, e em menos de duas décadas foi erradicado da Europa, passando a ser praticado exclusivamente no Brasil, numa circunstância que prevaleceu vigente até 2010, quando voltou a ser praticado em Portugal.Farei referência aos principais documentos históricos relacionados ao Rito, contextualizando-as.O que o leitor vai encontrar nas próximas páginas é uma análise das fontes históricas disponíveis acerca do Rito Adonhiramita, contextualizadas numa tentativa de compreender as razões dos ritualistas na formatação do Rito e seu desenvolvimento, incluindo as alterações que sofreu. Trata-se, portanto, de um exercício especulativo, e uma vez mais ressalto que trata-se de meu entendimento pessoal.Também é fundamental levar em conta que a História se modifica com a descoberta de novas fontes, logo, o conteúdo deste livro não é algo definitivo. Além disso, a análise está limitada às fontes que possuo, e reconheço a possibilidade da existência de outras. No fundo tenho mais perguntas do que respostas.Não podemos precisar quando o Rito Adonhiramita começou a ser praticado. Pelas razões que veremos ao longo deste capítulo, seu nascimento ocorreu após 1730. Há referências literárias situando-o entre 1735 e 1738, porém, sem comprovação documentalOscar Argollo, autor maçônico das primeiras décadas do século XX é uma dessas fontes. Na obra “O Segredo da Maçonaria” associou o Rito Adonhiramita à Alemanha, particularmente às guildas de pedreiros construtores da Catedral de Colônia, iniciada em 1248, século XIII, e concluída em 1880, século XIXSegundo o autor teria sido encontrado um ritual composto de 7 Graus, que chamou de “Primitivo do Egito”, que era utilizado pelos construtores em 1613, século XVII, já dentro do que se considera como período de transição entre os modos operativo e especulativo, e que seria a base dos rituais Adonhiramitas.A princípio a afirmação soa fantasiosa, principalmente porque o autor não cita as fontes. Mais do que isso, ainda que este ritual tenha servido como base para a formalização do Rito, este Rito supostamente praticado na Alemanha do século XVII definitivamente não era o Adonhiramita. A razão disso será apresentada mais à frente. No entanto, existem elementos nas duas principais obras de referência do Rito Adonhiramita que o associam à Maçonaria alemã, a 7 Graus, e também ao antigo Egito. Isso também será abordado.Embora estudos recentes indiquem outra data para a fundação da Grande Loja de Londres e Westminster, o que temos como oficial é o dia 24 de junho de 1717. E mesmo considerando a data de 1721 como a correta, ou a de 1723 com a promulgação das Constituições de Anderson, o panorama com relação aos Ritos não se modifica. A organização que conhecemos atualmente como Ritos não existia nas primeiras décadas do século XVIII, o que se tinha eram rituais semelhantes em essência, mas diferentes conforme as Lojas. Aliás, mesmo na atualidade essa circunstância permanece vigente na Inglaterra. O fenômeno da organização em Ritos é próprio da chamada Maçonaria Continental, e surgiu em decorrência da fundação de Potências Maçônicas no continente europeu, notadamente na França. O que se tinha nesse início do período oficial da Maçonaria moderna, ou especulativa, eram Lojas praticando rituais diferentes.E dentre essas diferenças surgiu a partir de 1725, com a criação do Grau de Mestre, correntes de pensamento ou vertentes baseadas em interpretações distintas da terceira e última versão da Lenda do Terceiro Grau, que estabeleceu o Templo de Jerusalém erguido pelo rei Salomão como base doutrináriaO Rito Adonhiramita surgiu dessa divergência, e por essa razão, mesmo que os rituais de Colônia na Alemanha sejam parecidos, aquele Rito era outro.Talvez a diferença mais significativa entre o Rito Adonhiramita e os demais seja exatamente seu nome. A denominação é consequência direta da Lenda do Terceiro Grau. Como sabemos a narrativa do Terceiro Grau se desenvolve com base nos textos bíblicos do 1° Livro dos Reis e 2° Livro das Crônicas. Mas é uma ficção, uma invenção dos ritualistas. Os eventos da Lenda não são narrados na Bíblia. A Bíblia não elege um arquiteto para o Templo de Jerusalém, o que levou os ritualistas a apresentarem dois candidatos, Hiram Abiff e Adonhiram.Surgiram então duas versões de rituais que consideravam alternativamente um ou outro personagem. Uma corrente foi denominada de Maçonaria Hiramita, e a outra de Maçonaria Adonhiramita. Essas duas correntes travaram debates, segundo a literatura acirrados, para estabelecer um padrão comum. Um dos estágios desse debate foi uma solução conciliadora que propôs que os dois personagens eram a mesma pessoa, o que não é verdade.A corrente Hiramita prevaleceu, mas os partidários de Adonhiram não esmoreceram, e divergindo da maioria permaneceram adotando Adonhiram como o arquiteto do Templo de Jerusalém.É a partir desta polêmica que o Rito Adonhiramita, então Maçonaria Adonhiramita, começou a ganhar forma.Em 1744 foi publicada uma obra intitulada “Catecismo dos Franco-Maçons”, ou “O Segredo dos Franco-Maçons”, que ainda é inédita em português. Alguns pesquisadores apontam essa data como a do surgimento do Rito Adonhiramita, mas na verdade ela não tem ligação direta com o Rito, a não ser pela defesa de Adonhiram como arquiteto do Templo de Jerusalém. O Rito Adonhiramita não foi criado com base nesta obra, ele já era praticado.Esta publicação era uma exposure, obras que tinham como objetivo desvendar os mistérios da Maçonaria, ou simplesmente difama-la. A Igreja era a principal editora desses textos, mas também se enquadram nessa classificação “A Maçonaria Dissecada”, “Três Batidas Distintas”, e o “Relatório do Tenente Herault”.O Catecismo dos Franco-Maçons foi assinado por um clérigo chamado Louis Travenol sob o pseudônimo de Leonard Gabanon, e seu objetivo era revelar os segredos da Maçonaria, daí o título alternativo da obra. Na sua argumentação, que foi fundamentada nos escritos e Flávio Josefo em acréscimo aos textos bíblicos, sustentava que o arquiteto do Templo só poderia ser Adonhiram, pois Hiram Abiff era um artífice de metais e não um pedreiro, e só teria trabalhado na decoração do Templo, ou seja, após a obra ter terminado. Mas ressalto que é uma visão de fora, Travenol não era maçom.Alguns historiadores e pesquisadores afirmam que Travenol era maçom e músico da Ópera de Paris, há inclusive referências bibliográficas sobre ele atribuindo a autoria dessa obra, mas certamente não se trata do autor do Catecismo dos Franco-Maçons, é possível que não só Leonard Gabanon seja um pseudônimo, mas Louis Travenol seja um homônimo.O entendimento de Travenol acerca do arquiteto do Templo de Jerusalém era o seguinte:“O autor (está se referindo ao ritualista que desenvolveu a Lenda do Terceiro Grau) está certo em dizer que não se trata de Hiram, rei de Tiro, entre os franco-maçons, mas também não é, como ele afirma, deste Hiram, admirável trabalhador de metais que Salomão mandou trazer de Tiro, e que fundiu as duas Colunas de bronze que estavam na porta do Templo (…)Que relação um fundidor de metais poderia ter com a fraternidade dos franco-maçons, que nada tem em comum com ourives, serralheiros, ou fundidores de caldeirões? Mas, além do fato de não ser provável que esteja entre eles Hiram, Rei de Tiro, nem Hiram, o fundidor de metais, todos concordam que é em memória do arquiteto do Templo de Salomão que eles fazem todas as cerimônias; e principalmente aquelas que observam na recepção dos Mestres. Além disso, como podemos estar enganados, se as Escrituras nos ensinam que quem executou a obra para a construção do Templo de Salomão se chamava Adoniram? É verdade que Josefo em sua História dos Judeus diz que seu nome é Adoram. Mas essa diferença não deve confundi-lo com Hiram rei de Tiro, nem com Hiram, o fundidor de metais. Não há, portanto, nenhuma dúvida de que aquele cuja memória os franco-maçons honram é chamado de Adoniram ou Adoram (…)”Flávio Josefo, historiador judeu da época do Império Romano no século I, e que foi citado por Travenol, tinha o seguinte entendimento:“A superintendência dessa empresa (a construção do Templo de Jerusalém) foi dada a Adorão. Setenta mil desses estrangeiros, moradores no reino de que falamos, traziam pedras e outros materiais, segundo o que o rei Davi tinha determinado. Oitenta mil outros eram pedreiros, e entre eles havia três mil e duzentos que eram como chefes dos demais. Antes de trazer essas pedras, de tamanho enorme, destinadas para os alicerces, eles as cortavam no monte, e os operários mandados pelo rei Hirão faziam o mesmo no que se referia ao seu trabalho”.(…)“Quando o grande corpo do edifício ficou pronto, Salomão mandou dividi-lo em duas partes, uma das quais, chamada o Santo dos Santos, ou Santuário, tinha vinte côvados de comprimento. Era particularmente consagrada a Deus, e não era permitido a ninguém lá entrar. A outra parte, que tinha quarenta côvados de comprimento, era chamada Santo do Templo e destinada aos sacerdotes”.(…)Para tudo o que acabamos de falar, mas principalmente para os trabalhos em ouro, prata e cobre, Salomão serviu-se de um artista admirável, chamado Hirão, que mandou buscar em Tiro. Seu pai chamava-se Ur. Embora morasse naquela cidade, era descendente de israelitas, pois sua mãe era da tribo de Naftali”.É corrente entre os maçons brasileiros, inclusive Adonhiramitas, o entendimento de que Hiram Abiff e Adonhiram são a mesma pessoa, e que Adonhiram seria o resultado da aglutinação da partícula hebraica adon, Deus, ao nome próprio Hiram. Daí teríamos como tradução “Hiram Consagrado ao Senhor”, ou “Excelso Hiram”. Aliás, essa suposição já existia no século XVIII, e a Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita de 1781 presta os seguintes esclarecimentos:“Muitos, sem saber muito porque, fundaram o Grau de Mestre com base em Hiram, sábio artista na metalurgia, que a Bíblia diz-nos ter sido filho de Hur, tírio, e de uma viúva da tribo de Nephtali. Vários outros, menos instruídos ainda, quiseram substituir Hiram, rei de Tiro, quando apareceu impresso um catecismo em que se estabeleceu o nome simbólico, sob o qual o Grau de Mestre devia ser fundado. Uma parte pretendia que devia ser Hiram, e a outra queria que tivesse sido Adonhiram. Os adeptos do primeiro supunham que o nome Adon era um apelido dado a Hiram quando ele terminou os trabalhos de bronze, ou após sua morte, e acreditando estarem bem instruídos para os Altos Graus, ousavam concluir que a Bíblia e todos os autores sagrados tinham se enganado, e que era preciso ler Hiram, grande arquiteto do Templo.

Os que respeitavam a Santa Escritura refutavam essas asserções e tratavam seus autores de inovadores; então os dois partidos trocavam injúrias, acusavam-se reciprocamente de ignorantes (…)As Escrituras dizem positivamente, no décimo quarto versículo, do quinto capítulo, do Terceiro Livro dos Reis, que era Adonhiram. Josefo e todos os autores sagrados dizem o mesmo e distinguem-no para não deixar dúvida em relação à Hiram, tírio, artesão de metais. Assim, é Adonhiram quem deve ser honrado” (…)Em 1781 foi impresso na Filadélfia, EUA, o primeiro volume da obra intitulada “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita”, contendo quatro Graus. Apesar de impressa em solo norte-americano a obra era em francês, e chegou à França em 1782.A obra foi assinada por Guillemain de Saint-Victor, um “Cavaleiro de Todas as Ordens”, e se constitui na obra de referência do Rito Adonhiramita. Em 1785 foi publicado o segundo e último volume, composto de nove Graus.A obra é um catecismo, formato utilizado para os rituais da época, e consistia num diálogo travado entre o Ven Mestr e o Apr, ou recém Iniciado em cada Grau, sobre a doutrina e o simbolismo de cada Grau em particular.Constam também da obra rituais de banquetes maçônicos, ou Lojas de Mesa, para cada um dos Graus.Não existe descrição da ritualística, das etapas das sessões comuns que hoje chamamos de ordinárias, e detalhamento da decoração do Templo, mas através das inúmeras notas de rodapé e nas respostas dos diálogos é possível deduzir alguma coisa neste sentido.É a obra mais estudada pelos maçons Adonhiramitas, e juntamente com o “Catecismo dos Franco-Maçons” de 1744, e “A Origem da Maçonaria Adonhiramita”, de 1787, que veremos mais à frente, se constitui nas principais obras, e talvez únicas, do século XVIII sobre o Rito. Foram esses os primeiros rituais maçônicos traduzidos para o português e praticados ainda durante o período do Brasil colônia, e a data de sua impressão, 1781, é considerada como data oficial de formalização do Rito. Houve edições desta obra em 1783, 1785, e 1787, e também versões para o português e inglês.Em seus primórdios o Rito Adonhiramita possuía uma visão sobre a presença feminina na Maçonaria moderna tão diferente quanto a do arquiteto do Templo. A edição de 1785 da Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita contém rituais de todos os treze Graus para Lojas de Adoção, e também havia rituais de Lojas de Mesa para essas Lojas femininas. Fica claro que em seu início o Rito Adonhiramita era favorável à presença feminina na Maçonaria moderna, mas apesar disso, não se tem notícia da fundação de Lojas de Adoção Adonhiramitas nem na França, nem em Portugal, e nem no Brasil há qualquer tempo. Este posicionamento aproxima a prática original do Rito Adonhiramita à do Rito de Memphis-Mizraim.Ao que parece, o perfil místico e a associação com as escolas iniciáticas do antigo Egito já existia no século XVIII, e não foram inseridas na década de 1970, como a maioria dos pesquisadores defende. Esse fato sugere a necessidade de uma investigação mais apurada a respeito da afirmação de Oscar Argollo de que os rituais Adonhiramitas tinham como base o Rito Primitivo do Egito praticado na Alemanha do século XVII. Afinal, os textos da Compilação já existiam antes de sua publicação, por isso são chamados de compilação.No prefácio da Compilação Preciosa, Saint-Victor mencionou que no seu entendimento deveria ter feito antes a publicação de uma obra sobre as origens do Rito, que julgava mais relevante, e que explicaria melhor a doutrina. Essa obra foi publicada em 1787, e se chama “A Origem da Maçonaria Adonhiramita”, sendo ainda inédita em nosso idioma. Muitos pesquisadores a consideram uma obra medíocre e sem importância. Não é minha opinião.


As referências bibliográficas citadas entre as páginas 1 e 4 do documento “Historicidade do Rito Adonhiramita” por Sergio Emilião são:1. **Oscar Argollo** – “O Segredo da Maçonaria”: Este autor maçônico das primeiras décadas do século XX associou o Rito Adonhiramita à Alemanha e às guildas de pedreiros construtores da Catedral de Colônia.2. **Flávio Josefo** – “História dos Judeus”: Utilizado por Louis Travenol para fundamentar suas argumentações sobre Adonhiram ser o arquiteto do Templo de Jerusalém.3. **Louis Travenol** (sob o pseudônimo de Leonard Gabanon) – “Catecismo dos Franco-Maçons” ou “O Segredo dos Franco-Maçons” (1744): Obra que argumentava que Adonhiram era o arquiteto do Templo de Jerusalém.4. **Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita** – Traduzida por Hipólito José da Costa: Primeira tradução do rito para o português, utilizada no Brasil.Essas referências são mencionadas no contexto da análise histórica e especulativa sobre a origem e a prática do Rito Adonhiramita.


Sergio Antônio Machado Emilião

Mestre Instalado
Grau 33 pelo SCAB
membro da ARLS Scripta et Veritas, 1.641, Grande Benfeitora da Ordem, GOB-RJ – Rito Adonhiramita
Secretário Adjunto de Ritualística para o Rito Adonhiramita no GOB-RJ
Provedor de Ritualística do SCAB


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