Esperança e fraternidade, uma reflexão pandémica

Começo com uma pequena história adaptada de uma escritora portuguesa, Elisabete Bárbara, os textos dela tem a lucidez de alguém iniciado, embora não saiba se o foi na nossa via. Irei usar mais alguns textos adaptados dela ao longo desta prancha e espero que gostem tanto como eu.

“Era uma vez um menino que, mal chegava a noite, ia para a rua e começava aos saltos. Uma vez, o irmão mais velho chegou ao pé dele e perguntou-lhe por que razão saltava ele assim iodas as noites. E ele respondeu que, se nunca desistisse, uma noite seria capaz de dar um salto suficientemente grande para poder chegar ao céu. O irmão mais velho percebeu. Mas como sabia que passariam ainda muitas noites até que o irmão percebesse que há desejos que não se realizam, começou a saltar também”.

O ano de 2020 ficará para história, como o ano do distanciamento social, mais que social do distanciamento físico. Podemos apontar “n” consequências desta pandemia, mas de uma forma ou outra vão desaguar nas consequências psicológicas que são imensuráveis em vários aspetos e mesmo sem ser psicólogo, são por demais evidentes. Utilizando a partilha recente do nosso Irmão Rui C., de um TED talk de Emily Eshafani Smith, estão postos em causa os 4 pilares de uma vida boa:

  1. A forma como nos relacionamos e nos vemos no mundo, o nosso sentido de pertença
  2. O nosso propósito na vida, o que nos deve mover e nos dá sentido
  3. O transcender a nossa pequenez, o acentuar do “EU”, o egocentrismo da nossa necessidade
  4. Construir uma narrativa positiva sobre o que nos acontece, ou seja, a nossa atitude perante o que está a acontecer, risco de vitimização

Como é óbvio estes pilares são discutíveis, mas serviram de base a minha reflexão.

O que precisamos para nos manter na senda da luz e do positivismo? Esperança! E já diz o povo “a esperança é a última a morrer”, temos de nos agarrar a ela com “unhas e dentes”. Outro texto de Elisabete Bárbara, que no meu ver descreve a esperança, diz:

“Não sou de probabilidades, sou de possibilidades. É assim que faço com os sonhos. A sua concretização até pode ser pouco provável, mas enquanto houver possibilidade, por mínima que seja, não desisto. A possibilidade contraria a probabilidade. Nenhuma probabilidade vale mais do que a vontade de tornar possível”.

Isto é esperança e tem representação iconográfica através da âncora, que é um símbolo de esperança, força e fidelidade. Para os marinheiros é o último refúgio, a esperança de na tempestade ser capaz de manter a estabilidade do barco. Aparece em alguns dos quadros de loja, na regra num dos degraus da escada de Jacob. No contexto cristão, quando perseguidos pelo império romano, a âncora era um símbolo de culto oculto, conhecida pela cruz da escora. A Âncora é dividida em dois elementos simbólicos, o semicírculo virado para cima, que representa o mundo espiritual e a cruz que representa a existência real e contínua no mundo material, a semelhança do esquadro e compasso. Na Bíblia a palavra âncora é vista em Hebreus 6:19: “Temos essa esperança como âncora da alma, firme e segura..”., passagem que se refere à esperança de acordo com a promessa de Deus.

Regressando desta divagação, além de ter esperança, como homens e ainda mais como maçons temos obrigação de dar esperança mesmo quando nós mesmos tenhamos pouca, de dar o exemplo e também de “saltar” como na história com que comecei esta prancha.

A nossa ordem iniciática dá-nos, ferramentas para sustentar os 4 pilares de uma vida boa e isso é uma vantagem competitiva.

A nossa loja, deve alimentar o nosso sentido de pertença. É com orgulho que estou entre vocês e me sinto acolhido. Temos todos obrigação de fomentar esse sentimento de família universal. Não é o sangue que faz a família, mas sim o grau de amizade e amor que estabelece o vínculo que vai além da arvore genealógica. ”A arvore genealógica pode vir de longe e não ter raízes fundas. Pode ter muitos ramos e em nenhum se abrigar um ninho (…) Não é a família que justifica o amor, é o amor que justifica a família. Pouco pode o tronco de uma árvore genealógica contra corações que não se encontram uns aos outros“. Deixo aqui mais uma pequena história:

“Era uma vez um relógio. Nesse relógio moravam dois ponteiros. No princípio, quando mal se conheciam, não davam muita corda um ao outro nem conversavam muito, apenas falavam do tempo – o que não é de estranhar, diga-se de passagem – mas depois começaram a conhecer-se melhor e já contavam os segundos para se encontrarem à hora certa. (…)” agora são irmãos, são diferentes, mas são iguais. Juraram proteger-se e mesmo não estando sempre juntos, sabem que se vão encontrar enquanto deram corda a sua fraternidade.

Olhemos para uma definição de fraternidade que encontrei: “A fraternidade é um conceito filosófico em se que estabelece com seus semelhantes uma relação de igualdade, visto que em essência não há nada que hierarquicamente os diferencie: são como irmãos (fraternos). Este conceito é a peça-chave para a plena configuração da cidadania entre os homens, pois, por princípio, iodos os homens são iguais. De uma certa forma, a fraternidade não é independente da liberdade e da igualdade, pois para que cada uma efetivamente se manifeste é preciso que as demais sejam válidas”. Ou temos, ‘“irmandade, relação de afeto profundo só possível entre irmãos”. Por isso dizemos “Eu, não sou mais que tu. Eu não sou menos que tu. Eu e tu somos iguais”., somos irmãos!”

Temos um sentido, um propósito se o verdadeiramente aceitarmos, o nosso aperfeiçoamento pessoal, a construção do nosso templo interior, para que vivamos a Maçonaria nas nossas vidas, dando o exemplo aos outros. A Maçonaria é uma universidade que ensina as artes liberais e as ciências da alma a todos os que se abram aos seus mistérios, o Maçom é o construtor do templo do caráter. Um alquimista que procura transmutar o seu ser. Pergunto, não é propósito digno de perseguir?

Transcendemos a nossa pequenez não pela vaidade ou egocentrismo, o verdadeiro iniciado apreende que não é a obtenção de títulos, cargos e medalhas que o torna Maçom. Combatemos o vício e exaltamos a virtude, com amizade e fraternidade. Juramos ser fraternos agora e sempre, porque são os atos que fazem a diferença. Lembro-me de tantos gestos de vários irmãos, coisas que parecem insignificantes, mas deixaram marcas permanentes. Isto traz-me a outro texto de Elisabete Bárbara:

“O bem que se faz nunca é pequeno, porque a bondade, mesmo que se revele nas pequeninas coisas, é sempre grande. Não há bondade pequena ou meia bondade nem é possível fazer o bem pela metade ou haver meio bem. Fazer o bem é sempre mais do que aquilo que somos. É pela bondade que conseguimos fazer coisas maiores do que nós”.

Trabalhamos a pedra bruta, para nos fazer bem a nós e aos outros, podemos ser faróis de esperança que aguentam as rebentações do mar nas suas diferentes intensidades.

Por fim a nossa atitude, o mencionado 4° pilar, a narrativa com que descrevemos o que nos acontece. E mais uma vez recorro a minha “amiga” Elisabete que se expressa melhor que eu:

“Somos o que somos. Somos a soma. A soma do que temos e do que nos falta. Somos o que ficou. O que ficou quando nos deixaram ir. Somos o que foi embora. Somos o que somos e o que queremos ser O que não podemos deixar de ser Somos o que nunca seremos. Somos o resultado. Nem sempre certo. Somos o que tentamos fazer resultar Somos o que falhamos. Somos o que nos falhou. Somos o que tentamos. E o que nos tenta. Somos o que fazemos e o que deixamos por fazer O que desfazemos. O que nos traz desfeitos. As desfeitas que nos fazem. Somos feitos da mesma matéria. Dos mesmos sonhos. Somos defeitos. Perfeitos. Somos escolhas. Às vezes sem escolha. Somos o que nos resta. Mesmo que não nos bastemos. Somos o que somos. Somos o que fomos. E o que ainda temos para ser (…) ”

Senti-me tentado a escrever mais, mas achei por bem parar, o conteúdo já vai muito além do que está apenas escrito. Resta-me partilhar algumas conclusões desta minha divagação pandémica sobre distanciamento social e/ou físico.

Se não fizesse parte desta egrégora este texto, esta reflexão, não existiria e hoje não estaria aqui mais otimista e a sentir-me menos bruto.

Conclui usando palavras da minha “amiga” que

“(…) A maior parte das pessoas não dá conta dos tesouros que tem. É preciso que alguém lhos revele. Há quem tenha um coração grande e não saiba. Há quem tenha uma força extraordinária e se julgue fraco. Há quem tenha talentos escondidos e não consiga encontrá-los sozinho. Há pessoas sem preço que não dão valor ao que são. Há pessoas a quem nada falta e se queixam de tudo. As pessoas só precisam de ser lembradas do que é a verdadeira riqueza”.

Concluí mais uma vez o quão verdade é sermos eternamente Aprendizes.

Acima de tudo concluí que ser Maçom me dá esperança, e me deve dar esperança porque não estou só, porque tenho irmãos que saltam comigo, e juntos podemos desafiar as probabilidades e tentar chegar ao céu…nas tentativas até podemos cair, mas caímos abraçados e podemos nos levantar juntos outra vez, seja com lágrimas, seja a rir com a cumplicidade que só existe entre irmãos.

Concluí que posso tentar dar vos esperança com estas palavras, que ouso sonhar vos contagiem e estejam agora com mais calor na alma, enquanto olhamos uns aos outros por este monitor que nos separa fisicamente, mas nos une espiritualmente.

O abraço fraterno de que temos tanta saudade, afinal sempre esteve aqui; basta que o sintamos dentro de nós.

Meus irmãos, saltemos…

Nelson Costa – R:.L:. D. Fernando II, n°118 – GLLP/GLRP

Bibliografia:

Fonte:
https://www.freemason.pt/esperanca-e-fraternidade-uma-reflexao-pandemica/

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