CRÍTICA AO ESCRUTÍNIO SECRETO
Na época em que, mais que nunca, os sentidos e a indústria invadem o domínio do espírito; na época em que se pretende fazer reviver com toda a sua pompa, com toda a sua força opressora, o sectarismo das idéias religiosas, convém lembrar sempre e muito, que a religião não é dogma de opressão, que ela é o princípio de liberdade, que tem muito de divino nos seus deveres e muita amplidão nos seus direitos. Destas idéias, nascem amargas dissensões e perigosas teorias para as sociedades, às quais se roubou cruelmente e que elas tinham de grande na fé, de brilhante na esperança e de sublime na caridade.
O mundo contempla indeciso essas discussões de todos os países, nos quais sobem à tribuna os mercenários da corrupção, os desvairados pela opulência e pelas vaidades mundanas.
E no meio de todas esses absurdos e partidos tomados, caminha silenciosa, mas profícua, a propaganda Maçônica, cautelosa e prudentemente engrossando as fileiras de seus arraiais. Entre os profanos pensadores e os Obreiros Maçons, há distância da verdade à mentira. Aqueles, preparam terreno para discussões persuasivas; estes, caminham avante sempre e levam consigo obras de séculos, preciosidades de filosofia, que se tornam novidades sempre quando o vulgo as pode compreender.
A idéia de Deus, dos deveres e direitos das criaturas e de suas obras, só pode ser interpretada luminosamente pela consciência e pela boa e puríssima vontade de fazer o bem. A Maçonaria nunca pensou de duas maneiras a respeito do bem e do mal, do justo e do injusto. Os seus Estatutos nasceram na pureza das intenções das gerações pensadoras que já se foram e nos legaram tudo que além do homem é capaz de alimentar, de produzir de grande,
de generoso e de sublime.
Ninguém pode nos contestar o direito de fazer o bem e de pugnar por ele; pertencemos à grande família da humanidade; não disputamos às sociedades suas liberdades, mas a liberdade que temos nos dá o direito de disputarmos a elas as vítimas de seus males e de suas opressões. O rito não nos faz homens de um país ou vassalo de uma idéia política, ou sectários de uma idéia religiosa; não; nós temos a liberdade do pensamento e pretendemos ser obreiros da perfeição das ações humanas. Nós descemos à arena de todos os arraiais sociais; aí, disputamos com honra, pelo bem moral e pela santa moral de nossas famílias; até nós, no nosso grêmio de trabalho honesto, não pode chegar o vulgo profano; lá fora, nós e eles; aqui dentro, só nós… É o nosso direito de séculos, nossa propriedade legendária.
Perante este tribunal severo e livre, ninguém tem o direito de trazer a acusação mesquinha e mundana, de pequeníssimas lutas de fora de nosso grêmio. O que por lá se agita e contempla, deve ser profano perante este grande tribunal de consciência, grêmio de amigos e leais obreiros, sem reticências na conduta, nem tão pouco na palavra.
A acusação aqui, no meio de nós, não é arma traiçoeira e vil que fere no escuro e impossibilita a defesa. Nossos acusadores aqui trazem como nossos antepassados, a cabeça erguida, viseira levantada, e lançam a acusação de uma maneira grave e solene.
O que é secreto nos tribunais profanos, entre nós deixa de o ser. Eis a razão porque o escrutínio secreto é um absurdo insustentável perante a razão, e a razão é o sub-Deus da Maçonaria.
Trago aqui, muito a propósito este tópico, porque deve ser com desgosto dos Maçons que para aqui nos trazem ressentimentos profanos e lutas que deveriam morrer à sacrossanta entrada de nossa porta. É preciso que cada um de nós se compenetre de que, entrando aqui, vem tomar parte nos respeitáveis trabalhos e ações de um templo onde só a virtude e a verdade têm culto.
A acusação em voz alta, como cumpre a Obreiros da Verdade, dá lugar à justiça da defesa e do esclarecimento; – a reprovação no escrutínio secreto envilece, coloca o votado nos transes horríveis daquelas vítimas dos cárceres da inquisição, nos quais a justificação era vedada. O que reprovamos e estigmatizamos nos outros, por ser profano, não admitamos em nosso seio. Os foros da razão assim o reclamam de nós todos, que aqui nos congregamos como fim único de pugnarmos pela verdade e pelos homens de bem que vivem desunidos no mundo lá de fora.
Convém ser juiz justo e severo nas apreciações de nossas coisas e do caráter daqueles que querem vir abrigar-se entre nossas colunas, como Obreiros.
Não compreendo, não compreenderei nunca, como é possível achar impuro no escrutínio, aquele que uma respeitável comissão de inquérito achou digno de nós. Ou essa comissão nasceu de nossa escolha com inteireza e confiança, ou ela é apenas a expressão de cortesia e civilidade. No primeiro caso, é digna de toda a nossa confiança; o seu voto é também o nosso. No segundo caso, todos os preceitos e regras Maçônicas se opõe a uma prática inútil e ofensiva ao respeitável caráter de uma Loja.
Voto contra o escrutínio secreto, como anti-maçônico, por mais que o queiram fazer legal; em lugar do escrutínio secreto, que seja admitido o dar-se a palavra a qualquer obreiro que queira ou deva dizer alguma coisa acerca da moralidade e outras qualidades daquele que é proposto e aceito pela comissão competente.
Venha a polêmica, honesta e decente, como é possível entre nós, que ela esclarecerá o que houver de obscuro ou ignorado. A polêmica que um dia puser patente todos os defeitos e todas as boas qualidades de um proposto, honra-o e salva-o; a bola preta tisna e impurifica de uma maneira traiçoeira e oculta, não digna de nós. Esta é a minha opinião, aliás, humilde. Eu a lanço desprevenido e leal no meio de vós, meus RResp.’. IIr.’., para que vós lhe deis o vosso beneplácito, se ela merecer tal honra. O seu mérito é tornar cada vez mais digna, leal e justa qualquer decisão que tomarmos tendente à admissão de novos Obreiros.
E falando nesta matéria, tenho em mente, e aliás, muito sinceramente, desenvolver cada vez mais a dignidade de nossa Instituição, que não pode, não deve parecer com nenhuma profana.
A fatuidade e o orgulho de lá fora, nascidos de posições que tiranizam o mundo com suas decisões magistrais e um amor próprio reprovável, não tem cabimento no meio de homens lealmente congregados para fins justos e honestos. A Cabala, que rebaixa o voto e o amesquinha, dando-lhe proporções desonestas de conciliábulos de ignorância e de erros profanos, não pode, não deve suportar a luz do nosso Templo, consagrado à verdade imaculada.
Trabalhando para a moral e para a justiça, não cremos que o que acaba de ser dito possa vir a ser averbado de “declamações”; porque, “declamações” são as ocas frases da má fé e da materialidade; e só são “declamações” aquilo que a requintada malignidade enroupa de eloqüência, para jogar no meio de um auditório que não estivesse compenetrado de sua honesta missão, tal como não no-la legaram, nossos pais, a nossa.
Lembremo-nos sempre da parábola do Divino Filósofo do Cristianismo, a liberdade do pensamento e da verdade, encarnada no Homem Deus: “Aquele que dentre vós não tiver mácula, que lhe jogue a primeira pedra”. Ensina-nos esta sábia sentença, a conhecermo-nos antes de pretender conhecer os nossos semelhantes.
E uma tal sentença é soberanamente Maçônica; nossos grandes Mestres a praticaram em toda a sua integridade.
Com que fim nos congregaríamos aqui, a não ser com fim mais nobre, mais harmonioso com nossos próprios sentimentos do que se reclama nas sociedades profanas? A luz que aqui nos ilumina não porá nossa alma, inteira e nua, aos olhos e à razão dos nossos amigos irmãos?
Para que, pois, entre nós, cobrir de um véu escuro a apreciação e o voto, e deixar ao segredo o cuidado de guardar na escuridão a injúria e a mancha na reputação?
Eis porque sustento que o escrutínio secreto, entre Irmãos, diante daquele Altar augusto e entre colunas, é um erro ou é um absurdo. A franqueza engendra a verdade; e esta reclama o respeito mútuo. O mal não pode penetrar entre os bons, quando a lealdade os une e a sinceridade os proclama ilustres desvendadores de tudo que é lícito ser censurado ou discutido.
Se ousei ocupar-me neste assunto de tão alta transcendência, é apenas movido pelo ardente desejo que nutro de conservar o grande legado Maçônico, cercado de toda a consideração, de todo o respeito que lhe compete, não só pela origem sagrada de sua instituição, como pela elevação a que têm direito os membros que compõe a Loja, que deixam os prazeres profanos, para vir aqui, no seio da verdadeira luz, trabalhar em bem da humanidade e em prol de tudo o que é justo e honesto
Fonte: Boletim do Grande Oriente do Brasil, de Março de 1873.
Autor: Ir.·. Luiz Corrêa de Azevedo, 33