A Questão da Moral na Filosofia

1. A Questão Moral entre os Sábios Gregos
Por definição, filósofo significa amigo da sabedoria. A Filosofia divide-se em três partes:
[passster password=”booz”]- Física é o estudo do universo e do seu conteúdo.
– Ética é o estudo da vida e ao que se relaciona conosco, onde se enquadra a questão da moralidade.
– Lógica é o processo de raciocínio, o método usado para estudar a física e a ética.
A filosofia é a manifestação suprema da razão, enquanto que a religião é a manifestação suprema da fé. Muitas vezes a fé e razão são conflitantes, e na maior parte do período, dos gregos ao iluminismo, que representa um salto de dois milênios na história, o estudo da filosofia se manteve proibido.

A questão moral remonta aos povos antigos, antes mesmo de a palavra filosofia ser usada por Pitágoras, entre os gregos, viveram homens de grande sabedoria. O primeiro a ser conhecido como sábio foi Tales de Mileto: ele viveu por volta de 640 a.C. e, ao lhe perguntarem: “qual é a coisa mais difícil?”, ele respondeu: “a coisa mais difícil é conhecer-se a si mesmo”; e ao lhe perguntaram ainda: “como podemos viver a vida melhor e mais justa?”, ele respondeu: “abstendo-nos de fazer o que censuramos nos outros”.

Entre os sábios gregos, o mais notável foi Sócrates; ele nada escreveu, mas ensinou vivendo a filosofia. Para ele, o fundamental era “conhecer-se a si mesmo” pela reflexão. Ele estava convencido de que a virtude identifica-se com a sabedoria e o vício decorre da ignorância, do desconhecimento da verdade.

Platão, que foi o principal discípulo de Sócrates, identificava na alma humana três virtudes: o instinto, a coragem e a razão. No instinto manifestam-se os desejos ligados a sobrevivência e à reprodução. Pela coragem o homem expressa desejos superiores, dando testemunho da existência de uma vontade livre e autônoma. E pela razão governa sua vontade e seus instintos. Isso nos faz lembrar as lições dos aprendizes, onde o maço da vontade é governado pelo cinzel da razão no desbaste da P.’.B.’..

Aristóteles dividiu a ética em duas categorias de virtudes: as morais calcadas na vontade e as intelectuais calcadas na razão. As virtudes morais são a coragem, a generosidade, a magnificência, a doçura, a amizade e a justiça; as virtudes intelectuais são a sabedoria, a temperança e a inteligência. Aí está o principal fundamento do método maçônico.

2. A Questão Moral no Iluminismo
No século XVII foram criadas as condições para o surgimento do movimento iluminista no século seguinte. No campo da filosofia, Descartes e Espinosa destacaram-se na preparação do terreno para estes novos tempos.

Baruch de Espinosa, nascido em 1632 na Holanda, ao afirmar que no Antigo Testamento não contém verdades, mas preceitos morais e políticos que visam a preservar a unidade e a dirigir o povo judaico através dos tempos, ele sofreu os efeitos da intolerância religiosa, acusado de ateu e excomungado pela sinagoga de Amsterdam.

Segundo Espinosa, todo estado autoritário tem origem na superstição, onde os chefes alimentam o terror das massas, o que coincide com o pensamento maçônico, onde o fanatismo político e religioso é tido como responsável pelas maiores desgraças vivenciadas pela humanidade.

René Descartes, nascido em 1596, este filósofo e matemático francês dedicou grande parte da sua obra às questões relacionadas com a moralidade. Em sua obra “O Tratado das Paixões” deduz que é no livre-arbítrio que o homem poderá buscar a educação do intelecto, capaz de livra-lo do vício. Afirma que o erro moral é precedido pela falta de sabedoria. Para ele a utilidade da moral consiste em governar o desejo sobre o nosso modo de agir.

A ruptura desse filósofo francês com o pensamento eclesiástico, reside no fato de que o pensamento cristão tratava da virtude como uma preparação para a vida futura, ao passo que para ele o homem racional poderia alcançar a virtude pelo seu esforço de bem agir.

Considerando que as obras dos principais filósofos do Iluminismo, entre os quais Voltaire, Rousseau, Montesquieu e Diderot, ainda não eram conhecidos naquela época, onde então aqueles freqüentadores da taberna buscavam inspiração filosófica e motivação para fundarem uma instituição maçônica da forma como é conhecida nos dias atuais?

Embora a aprovação da Constituição do reverendo James Anderson, em 24 de junho de 1717, tenha acontecido sessenta e sete anos depois de Descartes, suas idéias no campo da moralidade influenciaram certamente os fundadores da instituição maçônica, o que ficará demonstrado mais adiante, pelos seus conceitos sobre a questão moral do ponto de vista racional e científico.

E, para discernir entre os Vícios e Paixões, derivados da união da alma com o corpo, Descartes sugere a busca da Verdade, através do Autoconhecimento impulsionado pela Vontade, cujos conceitos serão analisados nos próximos capítulos, buscando demonstrar as origens do pensamento moral na filosofia cartesiana, como era chamada.

3. A Verdade
Em Deus a vontade é criadora da verdade, enquanto que no homem a vontade é descobridora da verdade. Na busca da verdade, nunca se esqueça de seguir as seguintes regras:
– Não aceitar por autêntico tudo o que não se conheça verdadeiramente como tal;
– Dividir as dificuldades em tantas partes quantas forem necessárias para melhor resolve-las;
– Rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que se possa imaginar a mínima dúvida.
Duvida-se de tudo para verificar se subsiste alguma verdade. Sábio é aquele que sabe duvidar. Não há maneira mais clara de alcançar a verdade que não por um esforço do pensamento, onde a mente se livra das ilusões do mundo exterior e concentra a sua atenção em si mesma e nas verdades que em si encontra. A verdade depende da vontade, sendo dela uma criação.

No campo da ética, direcionar bem o nosso desejo é um problema do conhecimento, porque o desejo é sempre bom quando segue um conhecimento verdadeiro e não pode deixar de ser mau quando fundado em algum erro. Portanto, a verdade é uma obra do Grande Arquiteto do Universo e cabe a nós busca-la incansavelmente, de modo que a moral e a virtude, ao alcance de todos, sejam frutos do melhor juízo possível.

4. As Paixões da Alma
As paixões da alma são uma decorrência natural da união do corpo e da alma. Grande parte dos conflitos morais enfrentados pelo homem provém desta união. Este inevitável desajuste se deve a dois fatores:
– O primeiro é o desajuste entre a vontade e a inteligência. A vontade apresenta-se como infinita, mas muitas vezes o seu querer se vê limitado pela inteligência, que é finita e limitada nas possibilidades de compreensão. É neste desajuste entre o querer e o poder que reside o erro de conhecimento e de ação, que se configura na origem da maioria dos problemas humanos.

– O segundo deriva da união da alma com o corpo; a alma subordina a inteligência e a vontade, mas ao se unirem às necessidades do corpo, elas inevitavelmente se apresentam como um drama de idéias confusas.
Conclui-se que as paixões são fenômenos que se passam no plano substancial da alma e do corpo. Na realidade, as paixões são sensações sentidas pelo corpo, podendo algumas ser úteis quando causam um bem-estar ao corpo, desde que encontrem na alma o consentimento para conserva-lo e aperfeiçoa-lo.

O problema está no uso abusivo das paixões, devendo ser buscado na razão uma distinção entre o bem e o mal para o corpo e para o espírito, a fim de não se deixar levar em nada pelo excesso.

5. O Vício
O vício é o uso abusivo das paixões. É preciso entender que nem todas as paixões se transformam em vícios. São considerados vícios: a esperança, o temor, a piedade, o desespero, o ciúme, a irresolução, a covardia, o remorso a cólera e o orgulho. Certamente o remédio para todas as paixões, relacionadas ao desejo e transformadas em vício, é a generosidade.

A esperança é a disposição da alma a persuadir-se de que tudo o que se deseja irá acontecer; e o temor é o contrário. O orgulho é a satisfação que temos das coisas sem importância, produzindo em nós uma impertinente arrogância. A vergonha e a vaidade são definidas como formas de estima de nós mesmos, mas sem envergonhar-se da prática do bem e sem envaidecer-se com a prática do vício.

Não há paixão cujo excesso seja mais nocivo à pessoa do que a cólera, porque esta perturba a capacidade de julgar e nos leva a cometer faltas que mais adiante iremos nos arrepender. A cólera está relacionada a outro vício que é o orgulho, ou seja, a estima que temos de nós mesmos por bens que não dependem da nossa vontade. A cólera, portanto muitas vezes decorre da reação que temos contra as ofensas ao nosso orgulho.

No campo das paixões e dos vícios devemos ter presente que as idéias nunca se apresentam totalmente claras e distintas para eliminar a possibilidade de erro. Querer fazê-lo é uma fraqueza da vontade menor do que a irresolução, que é o desejo exagerado em fazer o bem e, na ânsia de a tudo e a todos agradar, acabando por nada fazer. Em outras palavras, o vício é um hábito desgraçado que nos arrasta para o mal. Portanto, as paixões existem para serem vencidas e os vícios para serem sepultados.

6. A Virtude
A virtude é a realização máxima do espírito humano no campo da moral. As condições básicas para bem julgar são as seguintes:
– O conhecimento da verdade;
– E o hábito que faz com que nos lembremos dela sempre que a ocasião requer.
O conhecimento da verdade pode ser alcançado pela vontade, única criadora de uma atividade correta da inteligência, tanto na ciência que conduz à certeza, quanto na moral que conduz aos melhores juízos possíveis.

Sendo o homem uma união da alma e do corpo, ele é dominado por idéias confusas onde a moral se apresenta como uma aplicação da virtude. A virtude está não apenas no esforço de praticar o bem sob a orientação da inteligência, mas também no esforço de bem pensar no que se refere ao bem. A virtude não é uma prática infalível do bem, mas o esforço para realiza-lo da melhor forma possível. Em outras palavras, a virtude é o impulso da alma que nos induz a praticar o bem.

7. A Vontade
A vontade deve ser entendido como espírito de busca. O que caracteriza o homem à imagem do Grande Arquiteto do Universo, não é a sua inteligência finita, mas a sua vontade que depende do seu livre-arbítrio. O homem pode querer tudo, ainda que não possa realizar tudo, ao passo que a inteligência, mesmo querendo, não poderá compreender tudo. O pensamento é, portanto, uma conquista, seja contra as idéias confusas que provêm dos sentidos e seja contra as paixões da alma.

A vontade é, certamente, o elemento ativo do espírito, rejeitando todas as noções falsas que a inteligência recebe dos sentidos e da imaginação. As realizações da inteligência e o desenvolvimento ordenado das idéias claras são uma conquista da vontade.

A vontade apresenta uma condição de superioridade à inteligência, porque o intelecto é apenas uma função passiva do espírito humano, que consiste em ver e receber as representações e as idéias, como os olhos recebem as imagens das coisas materiais; enquanto que a vontade se apresenta como o espírito ativo na busca da verdade. A coluna J.’. representa a Inteligência e a Passividade; a coluna B.’. representa a Força e a Vontade; e do Oriente emana a Luz e a Sabedoria, fechando assim o fluxo da energia cósmica que irá de nos guiar no caminho da perfeição.

8. A Liberdade
A liberdade é um ato de vontade, de exercício do livre-arbítrio, uma afirmação de soberania como única forma de raciocínio construtivo. A liberdade sugere uma subordinação em relação à vontade toda vez que a inteligência descobrir as chamadas idéias claras e distintas.

A ação do pensamento e da inteligência é essencialmente um ato da vontade e da liberdade. A indiferença foi definida como uma preguiça da vontade, que tem sua origem na ignorância e o arrependimento como uma espécie de tristeza que vem da certeza de termos praticado uma má ação.

Como vemos, a preocupação refere-se unicamente à liberdade de pensamento, a intelectual, e não física. Também aqui há uma convergência com o conceito maçônico da liberdade, que procura libertar seus membros dos grilhões da ignorância. O homem não pode conhecer-se sem, ao mesmo tempo, conhecer a Deus. Devemos buscar conhecer a Deus em nós mesmos, pelo autoconhecimento. Conhecer a Deus é conhecer-se a si mesmo, é o que empreendemos em nossa “viagem iniciática” e consiste em ir na busca do verdadeiro eu superior, o G.’.A.’.D.’.U.’..

9. O Erro
O erro tem sua origem no uso abusivo da vontade, sendo que só a vontade poderá evitá-lo. Sábio é aquele que sabe duvidar e a dúvida, acionada pelo juízo, é antes de tudo um ato de liberdade destinado a suprimir o erro.

Para sairmos da dúvida é preciso fazer dela o próprio instrumento de trabalho, partindo em busca da pesquisa. A dúvida metódica é a salvação da inteligência e o começo da sabedoria. O conhecimento, portanto, é uma “inspeção do espírito”, que pode ser imperfeita quando feita pelos sentidos e pela imaginação, mas distinta quando provém do intelecto.

O erro, na maioria das vezes, é precedido pela precipitação, que foi definida como sendo a evidência antes que o julgamento tenha atingido o entendimento. Trata-se de uma indisciplina do pensamento. O erro acontece quando tomamos a liberdade de afirmar coisas por afirmação, pois é mais fácil fazer conjecturas sobre uma questão qualquer do que alcançar a sua verdade.

10. A Tolerância
Para os filósofos da época do iluminismo a tolerância tinha como sinônimo a generosidade, que é para eles não só a chave de todas as paixões, mas também é definida como a própria virtude no terreno das paixões da alma. Na união do corpo e da alma, a tolerância será o elemento moral capaz de estabelecer o equilíbrio da natureza humana, porque representa uma consciência da liberdade e o propósito de bem usá-la.

A falta de tolerância foi apontada como a causa dos males provocados pelas guerras religiosas, onde os maiores crimes foram cometidos pelos homens, tais como trair cidades, matar os príncipes, exterminar povos inteiros pelo simples fato de estes não seguirem suas opiniões. A tolerância é a consciência clara de que a única coisa que verdadeiramente nos pertence é o livre-arbítrio, acompanhado de uma firme resolução de bem utilizá-lo. É, portanto, uma forma de expressão da virtude e, por isso mesmo, aparece como chave e remédio contra o desregramento das paixões.

Ao dominar os desejos, a tolerância governa as molas propulsoras de quase toda a nossa vida moral. Conhecer e saber que o livre-arbítrio é o nosso maior bem e estar firme no propósito de bem usá-lo é estabelecer o equilíbrio das paixões da alma. É isso que se constitui no ideal da moral cartesiana e que o diferencia do pensamento cristão da época, onde toda paixão era considerada um vício.

A tolerância se confunde com a virtude porque representa o conhecimento de que nada verdadeiramente pertence ao homem, senão a livre disposição de suas vontades, e que só pelo esforço e bom uso desta vontade poderemos compreender e empreender aquilo que for julgado o melhor.

11. O Nosso Dharma ou Dever
A virtude é um impulso natural interior que induz à prática do bem. O bem não é um ideal distante a ser buscado, ele se compõe de pequenos eventos que se materializam em cada ação construtiva e em cada passo da nossa vida. A primeira expressão de virtude é o reconhecimento instintivo que responde a tradicional pergunta “de onde viemos e para onde iremos?”.

Na realidade, esta é uma questão que nos envolve de confiança interior, para acreditar em verdades que a nossa razão não tem a capacidade lógica de entendimento. Mas o mais importante é que, através do conhecimento e da incansável busca da verdade, possamos nos manter na senda da luz, na trilha de retorno a nossa origem divina, de volta ao G.’.A.’.D.’.U.’..[/passster]

Bibliografia:
– Uma Vereda para Diógenes, de Marco Aurélio Nedel;
– A Maçonaria e o Hábito da Virtude, de Raimundo Rodrigues.


Ir\ Pedro Juchem – MM
A\ R\ L\ S\ Venâncio Aires II, nº 2369
Or\ Rio Grande do Sul,

Leonardo Loubak
Leonardo Loubak
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