A Maçonaria e a Novus Ordo Seclorum Maçonaria e Maçons
Foi o filósofo que melhor descreveu a relação existente entre crença religiosa e o tipo de atividade econômica exercida pelos povos. Ele observou que os proprietários do capital, empresários e a maioria dos trabalhadores com qualificação profissional de maior grau, professavam algum credo de origem protestante. Enquanto os católicos preferiam seguir uma orientação humanística no campo da educação, os protestantes optavam por uma educação de tipo técnico. Esse tipo de orientação acabava gerando, como ele constatou na Alemanha, uma concentração de renda nas mãos dos protestantes, uma situação que até há bem pouco ainda era razão para muitos conflitos, especialmente na Irlanda, onde católicos e protestantes se matavam uns aos outros nas ruas.
Max Weber se perguntava a razão desta tendência dos protestantes para o racionalismo econômico e chegou à conclusão de que essa orientação provinha daquilo que ele chamou de ética protestante em relação à forma de ganhar a vida. Um exemplo dessa ética estava nas máximas em relação ao dinheiro: “tempo é dinheiro”, “quem tem crédito tem dinheiro”, “dinheiro é produtivo”, “o bom pagador sempre terá crédito”, “o comportamento pessoal afeta o crédito”, etc. É uma clara definição do credo capitalista liberal. Nessas regras, ele via a manifestação de certo espírito moral ou uma ética particular, no sentido de se ter uma ideia da profissão como dever e da necessidade do indivíduo de se dedicar ao trabalho produtivo como fim em si mesmo. Algo diferente da velha tradição bíblica, adotada pela teologia da Igreja Romana, que via o trabalho como castigo dado por Deus ao homem em razão do chamado pecado original. E da equivocada interpretação da teologia católica, que via na ambição um pecado capital, embora nunca a proibisse nem criticasse quando se tratava dos seus papas, bispos e prelados. A riqueza do Vaticano e a hipocrisia do clero católico foram causas da Reforma Protestante.
Isso explica, por exemplo, o fato de povos como o da Inglaterra, Alemanha, Holanda, Suíça, etc., nações que ostentam uma maioria protestante, terem construído países de economia forte, alicerçados no sistema capitalista, enquanto outras, como Espanha, Portugal, Itália, estão patinando em termos econômicos até hoje. E a ambiguidade da França, que nunca se definiu por uma corrente ou por outra. E explica também porque os Estados Unidos e o Canadá são o que são e a nossa pobre América Latina é o que é. Os Estados Unidos da América, país capitalista por excelência, foi construído em cima da chamada ética protestante (especialmente a chamada ética calvinista), aliada ao pensamento maçônico. Este último, se analisado exclusivamente do ponto de vista histórico-filosófico, nada mais é que uma inspiração calvinista enxertada de algum gnosticismo e uma larga dose de chauvinismo sionista. O que, aliás, também sempre esteve presente no pensamento calvinista, expresso na sua tese dos “escolhidos” de Deus. Ideias que se refletiram no campo econômico, como se pode ver.
Percebe-se isso claramente quando Weber analisa as raízes religiosas da forma de pensar e agir dos povos que adotaram a religião protestante, especialmente as populações que imigraram para a América do Norte. Essas raízes, Weber as identifica no “conceito de vocação” desenvolvido por Lutero, conceito esse que ele extraiu da tradução que fez da Bíblia e do termo “profissão” ou “vocação” (em alemão Beruf) que ele definiu como sendo uma missão dada por Deus a cada homem. Conceito que a Maçonaria moderna apropriou, diga-se de passagem, quando fez do Maçom o “obreiro construtor do mundo moderno”, ideia que se traduz na metáfora “construir templos à virtude e cavar masmorras ao vício”, que constitui a divisa mais significativa da Maçonaria.
Não é segredo para ninguém que Lutero, historicamente um místico que flertou com o movimento Rosa-Cruz, teve um papel fundamental na origem do espírito do capitalismo ao dar uma nova interpretação ao conceito do trabalho. Com isso, ele trouxe a prática ascética dos monges, antes dirigida para uma vida contemplativa e puramente espiritual, para a lida cotidiana, na qual a preocupação com a economia e o bem-estar social passaram a ser tão importantes quanto a própria questão espiritual. E os mosteiros, igrejas, conventos e demais unidades que sediavam o exercício da religião passaram a desenvolver atividades produtivas, tornando-se importantes núcleos de desenvolvimento de tecnologia e fomento das atividades econômicas. Desta forma, Lutero conferiu um valor religioso ao trabalho, ideia que, a priori, já se cultivava na antiga Maçonaria operativa, que via no exercício da profissão de pedreiro uma forma de ascese que, mais que uma maneira de ganhar a vida, era uma atividade que elevava o espírito do seu praticante ao território da divindade.
Assim, a disciplina que o monge praticava fora do mundo (ascese extramundana) passou a ser exigida de todo e qualquer leigo cristão dentro do mundo (ascese intramundana), pois segundo o próprio evangelho “todo operário era digno do seu salário”. Isso quer dizer que mais do que a conquista pura e simples de um lugar no mundo das coisas divinas, objeto da prática gnóstica e ideal ascético dos monges católicos, o homem devia, em primeiro lugar, construir o próprio mundo em que ele vivia com o seu trabalho. O anjo com asas, da tradição escolástica e agostiniana, foi substituído pelo trabalhador qualificado com as suas mãos e ferramentas de trabalho.
É neste sentido que a Reforma protestante passa pela Maçonaria e desemboca no espírito do capitalismo, embora Lutero ainda visse o tipo de profissão exercido pelo indivíduo sob uma óptica bem tradicionalista. Com efeito, não era objetivo de Lutero dar sustentação ideológica ao capitalismo nascente, pois a influência das suas ideias sobre o valor do trabalho e do capital é concebida por Weber como uma consequência não premeditada por ele, ou melhor, ele não previu as consequências que elas teriam sobre a ética que os seus seguidores viriam a desenvolver nesse sentido. Não obstante, Weber enxerga uma sensível “afinidade eletiva” entre a moral protestante e a conduta capitalista. Essa “afinidade” seria observada de uma forma bastante visível na teoria do “destino manifesto” com a qual os líderes da nação americana forjaram a filosofia de vida dos americanos. Líderes esses que, como é de domínio público, eram, em sua maioria, membros da Maçonaria e estamparam nos seus símbolos nacionais vários ícones adotados pela Ordem.
Isso também pode ser observado com bastante ênfase nas teorias que fundamentam o liberalismo econômico, consubstanciadas principalmente nas teses de Adam Smith, que ao justificar a riqueza das nações, sustentou que ela está fundamentada na liberdade com que as pessoas dispõem para executar o seu trabalho e aplicar os seus capitais. Nesse sentido, a chamada “mão invisível”, que Smith define como uma espécie de lei natural organizando o fluxo de capitais e a produção mundial, nada mais é do que uma adaptação do conceito de “vocação” de Lutero, pois nessa ótica cada nação e cada indivíduo tem uma “vocação” particular e é com o exercício e a aplicação eficiente dela que a riqueza é construída.
Há muita verdade nas teses weberianas, embora algumas contestações possam ser levantadas. É claro que não são apenas as raízes protestantes e católicas das nações da Europa e da América que podem ser invocadas para justificar o desenvolvimento econômico de umas e o atraso de outras. Há questões históricas, sociológicas e principalmente políticas que talvez sejam mais importantes que essas. Mas o tema merece reflexão. Principalmente numa época em que parece, pelo menos no Brasil, que as palavras ética, moral, decência, comportamento, fidúcia, elementos que fizeram a espinha dorsal da chamada “Novus Ordo Seclorum” (Nova Ordem do Século), construída em cima da ética calvinista e da utopia maçônica, perderam o verdadeiro sentido. Vemos isso principalmente no nosso meio político, onde a bancada evangélica e vários parlamentares maçons comungam com a indecência, a corrupção, o crime e a imoralidade. Principalmente o chamado grupo do deputado Eduardo Cunha, composto, na sua maioria, por pastores evangélicos, que com a iniquidade do seu comportamento devem estar fazendo Calvino e Lutero se remexerem no túmulo.
É mais do que tempo de os tempos se reencontrarem. Maçons e protestantes têm uma História e um passado a honrar. Seria bom não se esquecerem disso.
João Anatalino Rodrigues